Saudade é uma realidade complexa[1]: acumula ausência e presença, dor e prazer. Para tentar, de algum modo, compreendê-la conceitualmente, recorramos, uma vez mais, a Tomás de Aquino. Ele, no século XIII (quando mal havia língua portuguesa e não estava formada a palavra "saudade"!), fez um agudo diagnóstico -em que inclui até a explicação causal- da saudade: a dor -diz ele- é por si contrária ao prazer, "mas pode acontecer que um efeito colateral (per accidens) da dor seja agradável, como quando produz a recordação do que se ama (pessoa, terra etc.) e faz perceber o amor daquilo por cuja ausência nos doemos. E, assim, sendo o amor algo agradável, a dor e tudo quanto provém desse amor também o serão"[2]. Precisamente o caráter dual, o complexo agridoce da saudade é apreendido por Gilberto:
Que sabemos do amor, esta enorme saudade!
("Procuras", p. 22);
E, quando em sonhos ela me aparece,
É a canção azul que a saudade canta.
Minha saudade não é tão mesquinha,
Sei que ela nunca poderá ser minha,
Mas, cá dentro d'alma, é como se fosse.
("Canção Azul", p. 46)
(...) quando eu canto
De saudade em agonia,
Vem um Deus tirar o pranto
E trazer certa alegria.
("Carnaval de meus sonhos", p. 23)
Esta saudade que canta, somente canta e não chora:
Traz alegria, e quanta!, aos dias tristes de agora.
("Janela da Saudade", p. 35)
Quando a saudade atormentar meu coração,
Com a visão do que já fui e não mais serei,
Hei de guardar inda no peito a emoção
De uma ilusão, seja qual for, qual eu não sei.
Porque sentir saudade, só, sem ilusão,
É maldição, eu sei que assim não viverei!
Porei a mágoa na flor da recordação,
Assim, então, um grande alívio encontrarei.
("O Balanço", p. 36)
[1]"Delicioso pungir de acerbo espinho", diz o conhecido verso de Garrett.
[2] Summa Theologiae I-II, 35, 3 ad 2.
A mi gusto, son buenas...
Last but not the least, volví a encontrar por esos rumbos más de una cosa nutritiva que sí me trajo algún delicioso pungir de acerbo espinho (es que a veces pasa que se zambulle uno en lo que debe y por suerte se olvida de lo que tiene que hacer...)